Por Raquel Guedes Sabb
O atual aquecimento brasileiro dos setores de energia e de óleo e gás tem gerado um aumento exponencial da demanda por mão de obra marítima nacional. Espera-se que sejam criadas as condições de mercado para que as contratações demandadas sejam efetivamente realizadas no curto e médio prazo, e que se atente para o que efetivamente está em jogo: a recuperação também do setor marítimo brasileiro.
Fortemente impactado pela crise no setor de óleo e gás e dos escândalos de corrupção na Petrobras, a partir de 2014, o ramo marítimo manteve as portas fechadas às contratações desde então. Vale lembrar que à época da operação Lava Jato, que apontou os desvios na petroleira, o segmento viveu, na esteira da crise, demissões em massa. Inúmeros contratos de afretamento e serviços de navios brasileiros e estrangeiros foram rescindidos antecipadamente pela Petrobras, provocando uma das mais graves recessões, em especial na navegação de apoio marítimo.
A atual retomada da navegação de apoio marítimo e a utilização de um maior número de navios aliviadores do tipo shuttle tankers – decorrente do aquecimento da indústria de óleo e gás, a expansão dos investimentos em projetos de termelétricas a gás, estimulando a utilização de unidades flutuantes de armazenagem e regaseificação (FSRUs), e o incentivo do governo à navegação de cabotagem, através do BR do Mar, fomentando a chegada de mais navios estrangeiros ao país, têm pressionado o aumento da procura por mão de obra marítima e, particularmente, de tripulantes brasileiros.
Atente-se, ainda, para o significativo crescimento da geração de energia eólica no país e a perspectiva de avanço desta matriz energética para instalações em alto mar, a partir de junho, quando da entrada em vigor das diretrizes do governo Federal. Grandes empresas já anunciaram seus interesses em explorar a geração de energia eólica em alto mar, o que demandará a contratação de embarcações especializadas e, por consequência, mais tripulantes.
A expectativa de todos esses eventos, que já vem aquecendo o setor, antecipa a necessidade de se atentar à disponibilidade de tripulantes brasileiros para suprir a demanda de mão de obra marítima esperada. A Resolução Normativa nº 06, de 2017 (RN 06), do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), cujo objetivo primordial é resguardar o emprego de mão de obra brasileira em navios estrangeiros, sejam eles marítimos ou não, impõe que a tripulação das embarcações de bandeira estrangeira em operação no Brasil e empregadas nas navegações de Cabotagem e de Apoio Marítimo e nas FSRUs, por exemplo, possuam um determinado percentual de profissionais brasileiros a bordo em proporção ao número de estrangeiros embarcados. A proporção de profissionais brasileiros que essas embarcações estrangeiras devem possuir varia entre um quinto, um terço, metade e até a dois terços, conforme o tipo de navegação e da embarcação e o seu tempo de permanência em operação no país.
O bom momento do setor marítimo e as exigências da RN 06 em relação ao emprego de profissionais brasileiros a bordo dessas embarcações estrangeiras operando no Brasil têm, no entanto, descortinado uma realidade inquietante em relação à pouca disponibilidade de mão de obra marítima brasileira, revelando uma evidente dificuldade na seleção e contratação, por exemplo, de tripulantes brasileiros, principalmente de Oficiais.
A formação de profissionais marítimos, equilibrando a oferta de mão de obra com a demanda de mercado, precisa ser priorizada com políticas de médio e longo prazos, de forma contínua e eficaz. A projeção de aumento do número de embarcações estrangeiras operando no Brasil, no curto e médio prazo, torna a questão ainda mais preocupante e de urgente enfrentamento.
Não resta dúvida sobre o bom momento do mercado e em especial para o profissional marítimo brasileiro, mas o gargalo que aparenta estar se formando quanto à disponibilidade dessa mão de obra marítima expõe as empresas a um risco legal e regulatório, com a natural dificuldade que terão em cumprir com as disposições normativas da RN 06.
Artigo publicado originalmente na revista Portos e Navios.